ENTREVISTA: O Agente de Polícia Federal Bruno Requião fala sobre a obra Criminofísica e a importância de uma visão mais científica do crime e do criminoso

Você sabe qual a visão das ciências naturais sobre o crime e sobre o criminoso? Essa é a abordagem do livro Criminofísica – A ciência das interações criminais, do Agente de Polícia Federal Bruno Requião, recentemente publicado com apoio do Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul.

Bruno Requião é Bacharel em Física pela UFRGS, Mestre em Física pela UNICAMP, Doutor em Física pela UFRGS e Pós-Doutor em Matemática Aplicada pelo Consórcio de Aplicações Matemáticas para as Ciências e para a Indústria da Universidade de Limerick (MACSI), na Irlanda. Palestrante internacional na área de redes criminais, possui mais de uma dezena de artigos científicos publicados em periódicos internacionais. Membro organizador do Simpósio Internacional sobre Estrutura e Mobilidade do Crime. Criador do conceito de Criminofísica.

Acompanhe, abaixo, uma entrevista sobre a motivação da obra Criminofísica, sua relação com padrões criminais, e a importância de uma visão mais científica das interações criminosas e de uma gestão mais inteligente da investigação criminal.

 

Qual a abordagem da obra e para qual público se destina?

Bruno Requião: O livro tem três atores como público o alvo: o cidadão comum preocupado com os índices de violência a que está sujeito, o policial interessado em entender melhor o fenômeno que ele enfrenta no dia-a-dia e o cientista social ou jurista que busca sair um pouco da caixa e expandir seus horizontes para uma nova forma de enxergar o mundo.

 

O que motivou você a escrever sobre o tema?

Bruno Requião: A ideia para escrever esse livro começou em uma roda de brainstorming na Universidade de Limerick, na Irlanda, entre matemáticos, juristas e policiais locais. Mas na verdade o conceito já vinha sendo germinado desde 2014 quando comecei meu doutorado na área de redes criminais. Juntando tudo, a motivação é mudar o paradigma do enfrentamento à criminalidade e dar fôlego novo à atividade policial, principalmente com o apoio das ciências naturais.

 

O que é a Criminofísica e sua relação com padrões criminais?

Bruno Requião: A Criminofísica é uma maneira de abordar os fenômenos criminais, é a visão que as ciências naturais têm do crime e do criminoso. Nesse ponto de vista, grupos de pessoas (em especial de criminosos) apresentam comportamentos com alguma regularidade matemática que pode revelar padrões comportamentais ocultos, que não são observáveis a partir das metodologias tradicionais do Direito e da Sociologia.

 

Você cita termos como “partícula ou átomo criminal” – o que isso significa e qual a aplicabilidade desse entendimento?

Bruno Requião: Assim como o dipolo magnético é a partícula geradora do campo magnético, a analogia da Criminofísica é que o binômio criminoso-vítima é o gerador dos fenômenos criminais. Claro que com influência do meio, assim como ocorre nos fenômenos eletromagnéticos, por exemplo. Essa visão permite desenhar linhas gerais e prever comportamentos, permitindo às polícias uma gestão mais inteligente da investigação criminal e, em alguns casos, se anteciparem aos criminosos.

 

Cite alguns resultados recentes da Criminofísica, através de padrões criminais, e o escalonamento desse fenômeno frente ao aumento da população.

Bruno Requião: Um bom exemplo é o mau uso que se tem feito dos dados pro rata, ou seja, de se dividir o número de homicídios, digamos, para cada 100 mil habitantes. Ou até mesmo o número de novos casos de COVID ou de mortes por COVID a cada 100 mil habitantes. O que os estudos mais recentes mostram é que muitos dos fenômenos sociais, e a propagação de uma epidemia, por exemplo, é um fenômeno de contato humano, logo dependente das dinâmicas sociais, é extremamente não-linear. Por isso, as proporções mudam conforme aumentamos a população e usar dados normalizados (divididos) linearmente a cada 100 mil habitantes leva a interpretações bastante erradas dos fenômenos. É como se fossemos comparar as proporções físicas de um adulto com as de um bebezão, todo esticado para ficar da mesma altura do adulto. As proporções são diferentes, e isso tem que ser levado em conta.

 

Há um capítulo em que você fala sobre redes criminais, tema da sua tese de doutorado. Como o doutorado mudou sua perspectiva sobre esse tema, em especial sobre a aplicação de novas ferramentas para a compreensão dessas redes?

Bruno Requião: O doutorado e, em especial, o pós-doutorado foram fundamentais. Eu já tinha uma ideia vaga do ferramental matemático que poderia ser utilizado em redes criminais, mas foi nesses cursos que pude ir a fundo na física e na matemática pesadas que são utilizadas para se descrever os fenômenos em rede. Em especial, me aprofundei no que hoje se chama de ciência de redes, ou teoria de grafos para os matemáticos. É a descrição quantitativa de todo o tipo de fenômeno que envolve a interação entre pares de elementos, ou seja, redes. É uma área que se estabeleceu recentemente, e hoje apresenta uma comunidade robusta de pesquisadores multidisciplinares, principalmente nas aplicações à propagação de epidemias, redes interbancárias e redes sociais. A dimensão criminal é uma das que vem crescendo mais rapidamente graças ao esforço de diversos pesquisadores ao redor do mundo.

 

De que forma o seu trabalho na Polícia Federal em crimes cibernéticos inspirou você para o aprofundamento do tema? Fale um pouco sobre o seu trabalho na PF.

Bruno Requião: Crimes cibernéticos são fenômenos tipicamente em rede, já que dependem quase sempre de interações complexas entre diversos usuários. Não é difícil imaginar uma rede de distribuição de fake news, por exemplo. É claro, que o meio informático ajuda a visualizar esse tipo de comportamento. Mas este insight serve principalmente para entendermos que outras tipologias criminais se comportam de maneira semelhante, como as facções e as redes de corrupção e que, no fim, tudo está conectado.

 

Qual a contribuição para a Segurança Pública “Do ovo…. Às maçãs” (títulos do primeiro e do último capítulo da sua obra)? 

Bruno Requião: A expressão vem do brocado latino ab ovo usque ad mala, que se referia ao período de início e fim dos banquetes romanos, começando pelo antepasto (os ovos) até a sobremesa (as maçãs). A ideia do termo é passar uma sensação de continuidade, de início, meio e fim. Da mesma forma, para se ter essa continuidade, esse início, meio e fim, na gestão da segurança pública e na investigação criminal, precisamos fugir dos velhos paradigmas exclusivistas do Direito e entender que somente com todas as peças do quebra-cabeças podemos enxergar o quadro completo.

 

Qual a sua perspectiva para que de fato seja aplicada essa abordagem mais científica dos fenômenos criminais?

Bruno Requião: Muitos países já passaram por esse processo de valorização do método científico, e isso geralmente se reflete em índices civilizados de violência, regimes mais liberais e democráticos etc. No Brasil, apesar de dominarmos muitas técnicas avançadas nos mais diversos ramos, ainda não tivemos uma generalização da maneira de pensar do cientista. Continuamos pensando mais como advogados das nossas próprias causas. Reflexo disso é a hipervalorização das carreiras jurídicas em detrimento das científicas e a exagerada judicialização de quase todos os aspectos da vida social. Mas acredito que tudo é um processo. Com o tempo, as vetustas abordagens vão se mostrando equivocadas ou incompletas, e novos paradigmas vão aparecendo para completar o quadro. E acredito que isso já vem acontecendo, numa revolução silenciosa em que cada vez mais policiais enxergam na multidisciplinariedade um caminho viável.

 

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O lançamento do livro Criminofísica será em breve, mas você já pode adquiri-lo na sede do SINPEF/RS. Saiba mais seguindo @criminofisica no Instagram (vendas também via direct).

 

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