Entrevista com o Secretario da Segurança Pública do RJ, José Mariano Beltrame

José Luís Costa | jose.costa@zerohora.com.br

Em quatro décadas, nenhum dos seus 13 antecessores resistiram tanto tempo à frente da espinhosa Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro como o gaúcho José Mariano Beltrame. Em 2014, ele completará oito anos no comando da pasta, pilotando a mais audaciosa revolução contra o crime no país.

Idealizador do projeto da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que leva serviços e cidadania a áreas degradadas da capital carioca, Beltrame amealhou prestígio suficiente para se alçar na vida pública e concorrer ao que bem entender.

Delegado da Polícia Federal, ele não quer ouvir falar em partido político e candidatura, e garante não fazer planos para o futuro. Diz que estará desempregado no final do ano que vem (quando termina o governo de Sérgio Cabral) e deixa no ar a possibilidade de voltar ao Rio Grande do Sul.

A onda de protestos que varre a Cidade Maravilhosa e o assassinato do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza (torturado o morto por PMs da UPP da Favela da Rocinha) colocaram Beltrame no olho do furacão.

Em entrevista a Zero Hora, durante passagem por Porto Alegre para receber o título de Cidadão Emérito da Capital, ele reconhece, com a sinceridade e o jeito simples de homem do Pampa, erros, excessos e dificuldades de seus comandados.

Sem dúvida alguma, abala, não é bom. Mas essas coisas aconteciam antes no Rio de Janeiro anonimamente. Hoje, você tem a possibilidade de ir a uma delegacia, de fazer a ocorrência, e de a polícia investigar, buscar e prender, sendo policiais ou não. É muito ruim, a gente tinha obrigação de elucidar e mostrar para a sociedade e se conseguiu fazer isso. Acho também que havia essa situação antes em vários lugares do Rio de Janeiro, e hoje a polícia entrou lá. Todos os homicídios ocorridos dentro da Rocinha, depois da instalação da UPP, foram elucidados.

A passagem de ônibus baixou em muitas capitais. Chego a dizer que eu também teria plaquinhas (para mostrar), caminhar no meio da rua, no meio dos protestos.

Ah, isso eu não posso te dizer. Mas eu tenho minhas manifestações e acho que são legítimas. O que ocorre é, assim como as pessoas querem se manifestar, outros têm o direito de ir para casa, a ambulância tem o direito de transitar. A democracia impõe ordem.

É o caráter de violência que é dado por algumas pessoas, por alguns grupos, que vocês (a imprensa) vêm cobrindo de forma muito profissional.

Tivemos protestos durante a Copa das Confederações, e a Copa saiu muito bem. Conseguimos fazer anéis de segurança, e a Copa saiu tranquila, o metrô funcionou normalmente. Depois, veio a visita do Papa, tivemos 3 milhões de pessoas, por mais de 24 horas, todas elas aglomeradas em Copacabana e, graças a Deus, também saiu muito bem. É algo que a gente está trabalhando preventivamente, buscando informações para nos prepararmos.

(Ricardo Duarte/Agencia RBS)

Sem dúvida abala (o Caso Amarildo). É muito ruim, a gente tinha obrigação de elucidar e mostrar para a sociedade.

(Ricardo Duarte/Agencia RBS)

Assim como as pessoas querem se manifestar, outros têm o direito de ir para casa

(Ricardo Duarte/Agencia RBS)

Os equipamentos não letais, como bala de borracha, spray de pimenta e a própria bomba de gás lacrimogêneo são conquistas do próprio processo democrático. Antes, tudo isso era enfrentado de que forma? Escudo e cassetete.

Não posso dizer que está totalmente preparada. É óbvio que ela não conseguiu dar a resposta para todas as situações, mas também garanto que ela evitou que outro tipo de barbárie viesse a acontecer. O que resolve é o meio termo, a mediação. Não é oito nem oitenta. Se você atua, está sujeito a praticar excessos. Se não atua, está sujeito a prevaricar. Esse é o limite que a polícia trabalha. Se a polícia dá um jato de pimenta, se excedeu. Se não faz aquilo, ah, ele queimou a lixeira.

Porque são pessoas que usam uma ferramenta muito veloz, a internet. São pessoas que agem de maneira capilarizada em vários lugares da cidade, e a polícia tem como lógica a preservação da vida e incolumidade física. Não vamos sair correndo, perseguindo determinadas pessoas. Essa resposta é que não está em manual algum. O que vai nos ensinar é o dia a dia, são os alfanuméricos (policiais que atuam em manifestações com coletes contendo números e letras para facilitar a identificação em caso de abusos). Quando eles (manifestantes) aparecem, os alfanuméricos vão para junto deles.

Ele vai fardado. Se der problema, o cara diz, o A22 me quebrou a cabeça. Aí, eu vou ver quem é o A22 e vou saber. Isso tem funcionado muito bem.

Às vezes sofre, mas é uma turma que se preparou desde o tempo do Maracanã antigo, lidando com torcida, fez muito curso e, hoje, está praticamente enturmada com os manifestantes.

(Ricardo Duarte/Agencia RBS)

Acho importante que se resolva isso rapidamente. O policial, muitas vezes, faz apreensão, mas não encontra elementos para que isso vire uma ação penal. Precisa saber onde está a pedra, o pedaço de pau, onde está a testemunha.

Tivemos uma conversa inicial, mas eu estava em um trabalho recém-iniciado no Rio, e o meu compromisso com aquela população é até o final do ano que vem.

Ao final de 2014, inclusive, eu estou querendo proposta.

Sim. Me façam proposta, estou desempregado.

De repente… Vamos conversar.

Não penso em planos para o futuro. A segurança pública do Rio te consome 25 horas por dia 32 dias por mês. Não tem como você começar a fazer plano e começar a perder energia.

Acho que isso aí… Deixa os governos andarem e caminharem. Vamos ver, né?

São todos os dias. A morte do menino João Hélio. Foi muito difícil.

Não tem como não se assombrar. Onde entra criança é muito complicado.

(Daryan Dornelles/Divulgação)

A morte do menino João Hélio foi muito difícil. Onde entra criança é muito complicado.

Graças a Deus, está indo de vento em popa. Aqui no Sul dá para dizer isso, lá eu não posso explicar. É como tu lavrar a terra e deixar ela prontinha para botar a semente. É isso que a UPP está fazendo.

Acho que é. O índice de homicídios caiu de 41 por 100 mil para 24 por 100 mil.

Reduziu muito. Mas o mais importante na questão da UPP, e talvez as pessoas custem para ver, é o seguinte: a UPP é uma janela que está se abrindo. E as pessoas precisam aproveitar essa oportunidade. Não é um policial fardado na escadaria da favela que vai resolver o problema. São outros atores estaduais, municipais, federais, ONGs. A sociedade precisa assumir um papel ali dentro. Temos de pagar essa dívidas com aqueles excluídos há 40 anos.

Acho que não pode mais. A sociedade já agarrou isso aí.

Isso. Nos ajudou muito.

Era, mas ele não teve condições de cumprir. Ele explicou que a empresa tinha problemas, e a gente entendeu, porque aquilo era uma liberalidade dele. Foi o único que se apresentou. Mas temos instituições que nos ajudam muito com a Firjan, o sistema S, e tem algumas pequenas empresas que nos ajudam, mas não temos um impacto forte por parte dos empresários nessas áreas.

A prefeitura assumiu uma parte, as obras das UPPs por exemplo, e outra parte veio para dentro do custeio do Estado.

(Claudio Vaz/Agencia RBS)

“Não vou ser o Chávez, que ficou 14 anos no poder”

Todos tem um sabor especial. Muito dedicada ao trabalho. O trabalho me consome bastante. Às vezes, procuro estudar inglês, nas madrugadas. Mas papagaio veio não fala mais, não adianta.

(Ricardo Duarte/Agencia RBS)

Levantando às 6h, tomando meu chimarrão.

Não. Às vezes, a gente embrabece lá, fica meio pilhado, mas não desisto.

Mas não vou ser Hugo Chávez (ex-presidente venezuelano, que ficou 14 anos no poder).

Até agora, não. Este recorde eu já tenho. Aquela pegada no Rio não é brincadeira.

Continuo, meio guapeado, umas duas vezes por semana. Todos os domingos tem uma prova de corrida no Rio, e eu vou. O bom é que botei toda a segurança em forma (risos).

As que vêm por escrito, com algum detalhezinho, deixa a gente assim… Mas eu não penso nisso, não sei se é porque morei em Pontaporã, Corumbá (Mato Grosso do Sul).

Vou na PUC, às 6h ou às 7h da noite, todos os domingos.

Vão. Eles (são seis) estão até rezando.

A possibilidade de ver que dá para fazer algo, mas questões burocráticas e, às vezes, determinados vícios que você encontra na estrutura pública, não permitem que você faça. O serviço público tinha de ser tratado como se fosse privado.

Ginástica, corrida, ir para a lagoa, botar os pés na areia.

Maratona, não dá mais. O velho não aguenta mais. Corri a meia maratona do Rio (2011).

Não. Não vou ver jogar lá porque o Inter não me arruma nada no Rio. Acho que o Inter está devendo para a sociedade colorada, há anos, um campeonato. Não vou dizer ganhar um campeonato, mas chegar.

(Ricardo Duarte/Agencia RBS)

Rapaz, aprendi que secar, é a pior coisa que tem. Além de dar azar, o sofrimento é pior.

Já. Já arrumei um gaúcho. Ele de Flores da Cunha, tem uma churrascaria lá, e eu ligo para ele. Senão, me dão aquela carne sapecada, com gosto de brasa.

Churrasco tem de ter gordura, nem que tu tire. Lá é meio bife assado.

(Tânia Rêgo/agência Brasil)

Eu não entrei. De vez em quando, a assessoria de imprensa do governo abre, e eu falo com a comunidade.

Terminei o quarto caderno ontem (dia 7/11). Estou indo para o quinto, e vai dar um livro que vou lançar em março sobre esses diazinhos que passei lá (no Rio).

Estão lá, no sétimo andar, pintaram tudo de cor de rosa, sem problema algum.

(Risos). Isso é um absurdo. Houve um desentendimento do ponto de vista profissional. Mas isso é um absurdo. E vou te dizer mais: se tivesse fundamento para grampear, grampearia.

(Reprodução/Reprodução)
(Alex Carvalho/Divulgação/TV Globo)

Ele já era do governo anterior, e o pessoal não fez o que normalmente deve-se fazer. Mas tem um detalhe: nós mesmos descobrimos isso, nós mesmo noticiamos à imprensa, nós demitimos ele, e nós mudamos toda a metodologia de admissão.

Participei das manifestações em que a gente podia ir. Tinha de ir, era nossa função.

Ia em lugares abertos, onde poderia ir eu ia, mas infiltrado, não.

Fonte: Zero Hora

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